quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O senso da dignidade nos atos do Imperador

D. Pedro II não poderia manter-se indiferente às reiteradas provocações do governo uruguaio, que consentia que a nossa bandeira servisse de tapete na porta de entrada dos salões do clube presidido por Leandro Gomez. Mandou Saraiva para Montevidéu, em missão especial, a fim de alcançar uma solução honrosa. O almirante Tamandaré só foo autorizado a usar de represálias depois que fracassaram as tratativas diplomáticas.

Quando foi aprisionado pelo tenente-coronel Oliveira Bello, Leandro Gomez pediu para ser entregue aos seus correligionários e o seu desejo foi cavalheirescamente satisfeito. Entretanto, logo que as tropas brasileiras deixaram Paissandu, os seus próprios patrícios exigiram o seu fuzilamento, como reparação à chacina de Quinteros, da qual ele fora o principal instigador. Ao saber daquele ato de covardia, D. Pedro II o condenou formalmente, e exigiu a punição do coronel Goyo Suarez, que se havia comprometido a assegurar a vida do nosso insolente inimigo.

Logo após a vitória sobre o Paraguai, houve manifestações populares e revolta de militares no Rio, visando depor o Ministério constituído por Muritiba. Alguns militares, depois de percorrerem as ruas aclamando o Imperador e a Família Imperial, e exigindo a deposição do Gabinete, estabeleceram-se em frente ao Teatro Lírico, fazendo parar todos os coches da comitiva imperial, à procura do presidente do Conselho. O próprio carro do Imperador foi detido, e uns tenentes tomaram pelo freio os cavalos. D. Pedro II apareceu à portinhola, dominando o círculo ruidoso de manifestantes. Com voz clara e enérgica, mandou que o cocheiro fizesse partir o veículo:
- Não atendo a rogos de oficiais em plena rua!
Os militares se afastaram, e o carro prosseguiu.

Quando era ministro de Estrangeiros o senador Manuel Francisco Correia, D. Pedro II agraciou o grande estadista inglês Disraeli com a dignitária da Ordem da Rosa. Esse parlamentar recusou a graça imperial, por não ser assaz elevada, como requeria a sua posição na Inglaterra. Só a Grã-Cruz lhe poderia convir, por ter já muitas de outras nações, e externou em carta ao ministro o motivo da sua recusa.

O ministro viú-se em sérios embaraços para transmitir tão desagradável notícia ao Monarca. Adiou a comunicação por vários despachos, e por fim a fez, certo de que obteria para o lord inglês a Grã-Cruz da Ordem. Fludiu-se. O Imperador franziu a testa, e disse:
- Pois outra não lhe dou!


Depois de ouvir o concerto de um famoso pianista inglês na embaixada brasileira em Londres, por ocasião da viagem de D. Pedro II ao país, o Príncipe de Gales, futuro rei Eduardo VII, manifestou ao embaixador, Barão de Penedo, o desejo de que o pianista fosse condecorado pelo Brasil com a Ordem da Rosa. O Imperador não tolerava nesse pianista a falta de higiene. Ao saber da proposta do Príncipe de Gales, comentou ironicamente:
- Concordo, desde que antes o governo inglês lhe conceda a Ordem do Banho...

Na sua primeira viagem à Europa, estava D. Pedro II em Rouen, cidade francesa então ocupada pelas tropas alemãs. Conhecedor da presença do Soberano, o general Treslov, comandante da guarnição alemã de ocupação, foi cumprimentá-Io, comunicando-lhe que mandaria colocar à porta do hotel uma guarda de honra, e ordenaria que a banda militar alemã desse um concerto em sua homenagem.

Agradecendo a intenção delicada do comandante, D. Pedro recusou a homenagem:

- Se eu estivesse na Alemanha, aceitaria. Estou na França, entretanto, e não devo permitir que a música dos vencedores venha saudar-me em chão dos vencidos.

O general prussiano inclinou-se, acatando com admiração e respeito o gesto de delicada sensibilidade. E o povo francês, sabedor da recusa imperial, demonstrou sempre para com Dom Pedro os mais vivos sentimentos de simpatia.


Visitando em Baden-Baden D. Pedro II exilado, Silveira Martins foi convidado por ele para um famoso concerto em praça pública, no qual se apresentavam os melhores maestros da Alemanha, e era assistido por todas as pessoas de importância. Quando a figura imponente do Imperador apareceu, todos se levantaram, como se uma mola os tivesse impelido ao mesmo tempo. O rege.nte da orquestra foi ao seu encontro e fez-lhe entrega do programa. Visivelmente comovido, o imperador exilado voltou-se para Silveira Martins e disse:

- Isto não é feito a mim, mas ao nosso Brasil.
- Como protesto eloqüentísssimo...


Revivendo o Brasil Império, Leopoldo Bibiano Xavier.

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