quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Nas decisões imperiais não prevalecem os sentimentos pessoais

Nas “Cartas de Erasmo”, publicadas em 1865, José de Alencar dirige-se ao Imperador nestes termos: “Monarca, eu vos amo e respeito. Sois, nestes tempos calamitosos de indiferentismo e descrença, um entusiasmo e uma fé para o povo. Aproxima-se o cidadão livre e altivo de vosso trono, porque nunca aí se sentou a tirania; sua dignidade não se vexa ao inclinar-se para vos beijar a destra, que tem feito tanto bem a inúmeros infelizes e assinado só perdões e indultos, porque em vós acata ele o pai da Nação. Na cúpula social, onde estais colocado, sois para a sociedade brasileira mais do que um rei, sois um exemplo. Bem poucos monarcas poderão dizer como D. Pedro II: 'Nunca abri o meu coração a um sentimento de ódio, nunca pus o meu poder ao serviço de vinganças'”.152
D. Pedro II afirmou:
-- Quando tenho de resolver-me, consulto só a minha razão. Não me abala nem a lisonja, por mais insinuante, nem o vitupério, por mais ferino.22,73 Sou sensível às injustiças e me doem as zombarias. Mas o meu dever não permite que, por injúrias pessoais, prive o País dos serviços de brasileiros distintos.52,66
Nem o ódio nem o favoritismo influíam nas ações do Imperador. Ele próprio confirma essa conduta em carta a Alexandre Herculano. Quando quis agraciá-lo com a Ordem da Rosa, o velho escritor, que era também seu amigo, relutou em aceitá-la, e escreveu ao Monarca: “Não tenho ideia de haver feito serviço algum ao Brasil, e as distinções honoríficas, onde e quando não significam o meio de um vil mercadejar de consciências, são haveres que pertencem aos beneméritos da Pátria, haveres depositados nas mãos do soberano, para solver dívidas de gratidão à sociedade”.
Fazendo uma distinção sutil entre o Imperador como homem privado e como soberano, acrescenta: “Receio muito que o coração de Dom Pedro de Alcântara o iludisse, e inconscientemente o levasse a abusar de sua intimidade com o Imperador, em proveito de uma afeição particular”.
Com delicadeza de sentimentos e elevação de espírito, respondeu-lhe D. Pedro II: “Logo que recebi sua carta de verdadeiro amigo, mostrei-a ao Imperador. A afeição que ele e eu lhe votamos não podia de nenhuma sorte ressentir-se de sua determinação, porém eu, que conheço quanto os corações como o seu prezam a franqueza, hei de necessariamente discutir as razões apresentadas para não aceitar a alta prova de consideração dada pelo Governo do Brasil ao ilustre literato duma nação tão ligada à minha. Começo pela defesa do Imperador, que lhe é muito afeiçoado, mas sempre procurou evitar a influência de sentimentos pessoais nas ações do Governo de sua Nação. Propôs ele seu nome para uma condecoração poucas vezes concedida, porque entende que os serviços às letras e às ciências são feitos a todas as nações”.52
Uma tremenda crise financeira assoberbava o País, em 1858. Apareceram então no “Jornal do Comércio” alguns artigos tratando de economia política, assinados sob o pseudônimo de “Veritas”, nos quais se patenteava a competência do seu autor. O Imperador encarregou o presidente do Conselho de Ministros, Limpo de Abreu, de indagar quem era o autor desses artigos, e convidá-lo a assumir a pasta da Fazenda.
Dois dias depois, durante o despacho ministerial, o Imperador perguntou pelo resultado da incumbência, ao que o ministro comentou:
-- Se Vossa Majestade soubesse quem é o “Veritas”...
-- Basta! Já sei, já sei... Bem vejo que os senhores não me conhecem. Sr. Presidente do Conselho, quando lhe confiei essa delicada missão, eu já sabia que “Veritas” é o pseudônimo do Dr. Francisco de Salles Torres Homem, o Timandro, autor do “Libelo do Povo”, livro onde eu, minha mulher e minhas filhas somos cruelmente tratados. Mas eu não posso colocar os meus sentimentos pessoais acima dos interesses do meu povo. Atravessamos uma crise econômica e financeira das mais agudas, e esse homem parece dispor dos meios para atenuá-la, senão vencê-la. Vá convidá-lo em meu nome a vir à minha presença.
No dia seguinte, a pasta dos negócios da Fazenda era confiada à competência do violento panfletário. Ao apresentar-se ao Imperador, e tornando-se ministro, teria declarado:
-- Senhor, para os grandes crimes, as grandes expiações...
A imprensa da oposição foi implacável com o seu correligionário da véspera, que no entanto resolveu em pouco tempo o complicado problema financeiro. Vendo-o diariamente batido pelos amigos e invejosos, que não lhe perdoaram o fato de ter posto o seu grande talento e aptidões a serviço da Pátria, o Imperador foi de uma generosidade além das próprias ambições do novo estadista: deu-lhe o título de Visconde de Inhomirim, mandou nomeá-lo depois ministro plenipotenciário e enviado extraordinário junto a uma das mais brilhantes cortes européias, e na primeira oportunidade escolheu-o para o cargo vitalício de senador do Império.66,95,110,143

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